quarta-feira, 6 de maio de 2009

O Teatro é a primeira invenção Humana


Um passarinho canta, mas não entende nada de música. Cantar é parte de sua atividade animal – inclui comer, beber, copular – e por isso não varia nunca: o rouxinol não experimentará jamais cantar como cotovia, nem uma juriti como pomba-rola. Mas o ser humano é capaz de cantar e ver-se cantando. Por issno pode imitar os animais, pode descobrir variantes do seu cantar, pode compor. Os passarinhos não são compositores, não são se quer interpretes. Canta como comem, como bebem, como copulam. Só o ser humano triadiza (EU QUE OBSERVO, EU EM SITUAÇÃO E O NÃO-Eu) por que só ele é capaz de se dicotomizar (ver-se vendo). E como se coloca dentro e fora da situação, em ato ali e, aqui, em potencia, necessita simbolizar essa essa distancia que separa o espaço e que divide o tempo, a distancia que vai do ser ao poder e do presente ao futuro – necessita simbolizar a potencia, criar símbolos que ocupupem o mesmo espaço daquilo que é, mas não existe, que é possível e poderá vir a existir. Cria, pois, linguagens simbólicas: a pintura, a música, a palavra... Os animais tem acesso apenas à linguagem sinalética (sinais feitos de gritos, sussurros, feitos de caras, trejeitos).

O ser torna-se humano quando inventa o teatro.

No inicio, Ator e Espectador coexistiam na mesma pessoa; quando se separaram, quando algumas pessoas se especializaram em atores e outras em expectadores, aí nascem as formas teatrais tais como as conhecemos hoje. Nascem também os teatros, arquiteturas destinadas a sacralizar essa divisão, essa especialização. Nasce a profissão do ator.

A profissão tetatral, que pertence a poucos, não deve jamais esconder a existência e permanência da vocação teatral, que pertence a todos. O teatro é uma atividade vocacional de todos os seres humanos.

Augusto Boal em "O arco-íris do desejo"